Prefácio

Ao ler o Lucas, lembrei-me da minha própria infância, com diferenças.
Isto porque todos os autistas são diferentes.

Em criança, mexia na orelha constantemente, uma estereotipia que me ajudava a gerir a ansiedade e stress, a regular o meu corpo e a “expelir” aquela energia chata que me percorria o corpo e que, se não a afastasse de mim, tinha uma crise.

Falei muito cedo, mas copiava, imitava e treinava a fala e, portanto, falava de uma forma muito formal. Tinha mutismo seletivo, o que fazia com que eu não conseguisse falar com pessoas com quem eu não me sentia à vontade. Parecia que de repente a ansiedade dava‑me um nó na língua e eu deixava de conseguir responder. Escondia-me nas pernas da minha mãe e esperava que passasse.

Sempre tive, e tenho, seletividade alimentar. Determinadas texturas de alimentos deixam-me enjoada. Apesar de, na escola, acharem que era mimada por causa disso, fez com que sempre que eu pudesse, almoçasse apenas um croissant, porque era demasiado assustador para mim ir à cantina. Seja por textura, cor, mistura de alimentos, sabor ou cheiro, a dificuldade com a comida pode causar uma ansiedade severa cada vez que temos que comer.

A forma diferente de ver e sentir o mundo leva a que muita gente tenha dificuldade de compreender que os nossos interesses, formas de brincar, formas de interagir, não são erradas. São a nossa forma. Vamos precisar de apoio, mas esse apoio tem sempre que ser no sentido de sermos o mais independentes e felizes possível, e não os mais “típicos”.

A verdadeira inclusão não será ensinar-nos, a mim, ao Lucas, e a muitos outros autistas, como interagirmos da forma que todas as outras pessoas o fazem, mas aceitar que todos temos formas diferentes de ser, e há algo de extremamente bonito e confortante nisso.

A inclusão na escola tem que passar pela compreensão que todas as crianças vão ter diferentes necessidades e formas de aprendizagem. A inclusão permite também ensinar a todas as crianças sobre as diferenças que temos, a diversidade no ser humano, e criar adultos empáticos.

A neurodiversidade faz-nos ver e sentir o mundo de outra forma. Um mundo que tanto pode ser repleto de amabilidade e amor, como sobrecarregar-nos rapidamente, por não estar desenhado para nós. Temos que ensinar as crianças autistas que num mundo onde podemos decidir quem mostramos ser, é revolucionário escolhermos mostrar quem realmente somos.

Sara Rocha
Presidente da Associação Portuguesa Voz do Autista